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  • Foto do escritorMônica Cyríaco

Catalunha surrealista- Joan Miró

Atualizado: 22 de dez. de 2022

A Catalunha é terra de muitos artistas e esse post é pra contar sobre dois deles, muito diferentes e partes do mesmo movimento. Dois artistas que levaram a Catalunha na bagagem quando desembarcaram na Paris dos anos 20 : Joan Miró e Salvador Dalí. Duas personalidades absolutamente opostas, Miró, um tímido, contido, minimalista e ateu e Dalí, um exuberante, místico, católico. O primeiro, republicano, de esquerda e antifascista, o segundo, franquista e monarquista. Em comum, a genialidade, a criatividade e a liberdade.

Visitei os museus desses dois artistas na Catalunha, o de Miró em Maiorca e o de Dalí em Figueres. Duas experiências bastante diferentes, vou contar um pouquinho do que vi e aprendi.


JOAN MIRÓ- 1895-1983


"A pintura é estudar o traço de um pequeno seixo que cai sobre a superfície da água, o pássaro em voo, o sol que se espalha sobre o mar ou entre os pinheiros e os loureiros da montanha " (Joan Miró)
A obra de Miró me parece nascer da luta permanente, no trabalho do pintor, para limpar seu olho do visto e sua mão do automático. João Cabral de Melo Neto

Miró dizia, em 1923, após sua aproximação com André Breton e os surrealistas, que era preciso mudar a vida! O pintor de pássaros , mulheres e estrelas tinha a capacidade de tirar o poético da sucata, do cotidiano, da cor com uma linguagem visual absolutamente pessoal, não há quem veja uma obra de Miró e ali não reconheça o estilo inconfundível do artista. É um dos maiores e mais conhecidos artistas catalães e um dos mais identificados com a Espanha, tanto que foi escolhido para criar o logo da Copa do Mundo de 1982.


Nascido em Barcelona, criado na infância na casa de seus avós em Mont-Roig del Camp e em Palma de Maiorca, onde passou a viver a partir dos 63 anos, o artista usou a Catalunha como substrato de toda a sua obra. Por ter vivido tanto tempo mergulhado nas tradições do meio rural catalão, pegou emprestado dessa cultura a mulher, símbolo de vida e fertilidade, os astros, que servem para demarcar o caráter cíclico da vida, do tempo, das colheitas e os pássaros, seres alados , intermediários entre céu e terra.

Também daquele universo trouxe seu amor pelo azul intenso, pelas paisagens áridas rodeadas de montanhas e mar. Apropriou-se , também do uso de cores primárias delineadas em preto, próprias da arte primitiva da Catalunha e rejeitou a ilusão da perspectiva e da escala em seus trabalhos.

Obs: Sard, escrito no canto direito da primeira tela é abreviação de sardana, dança folclórica catalã

Na ordem, os quadros acima : 1- Paisagem catalã El cazador, 1924; ( MOMA, NY)

2- Cifras e constelações, apaixonado por uma mulher, 1941 ( Arte e Instituto de Chicago)

3- Mulher e pássaro à luz do luar , 1949 (Tate Modern, Londres)

4- Mulher na noite, 1973 (Fundação Miró, Barcelona)

"Em que consiste pra mim a influência dos surrealistas? Na vitória sobre a realidade visual."


Miró consegue em sua obra associar um espírito catalão quase barroco a um universo abstrato e divertido, onírico, cheio de fantasia e de vida, pintados com cores exuberantes e formas simplificadas, poéticas e criativas. O artista dizia que a pintura estava decadente desde a idade das cavernas. Parece mesmo que passa a pintar tentando recuperar o olhar inédito dos primeiros homens que buscaram interpretar o mundo através do simbólico. Do mesmo modo como o homem primitivo tentou compreender o mundo a partir de seus grafismos ou da criança em sua fase pré-simbólica, ao desenhar suas garatujas colocando nos objetos o que lhes parece mais importante, o artista empreende uma viagem para dentro de si, tentando captar aquele momento quando ainda era capaz de olhar e ver com olhos livres.. Esse mergulho para uma fase da vida humana em que ainda tateávamos para compreender e ordenar tudo à nossa volta, em que cores podiam dar conta do inexprimível, em que a ordenação estava separada da ideia de tempo e espaço, de causa e consequência atraiu-o de modo tão intenso, que ele criou e expandiu um universo artístico próprio. Ao voltar à sua própria pré-história , é como se ele escavasse e desenhasse nas paredes de sua memória. Só a poesia poderia definir essa arte, acho que Murilo Mendes conseguiu:

Joan Miró Soltas a sigla, o pássaro e o losango. Também sabes deixar em liberdade O roxo, qualquer azul e o vermelho. Todas as cores podem aproximar-se Quando um menino as conduz no sol E cria a fosforescência: A ordem que se desintegra Forma outra ordem ajuntada Ao real – este obscuro mito (MURILO MENDES,Tempo Espanhol, 1964).
"O que importa não é a obra, e sim a trajetória do espírito durante a totalidade da vida. /.../ O importante pra mim é chegar a um máximo de intensidade com um mínimo de meios , daí a importância enorme do vazio nos meus quadros." Miró

Observe a série de bailarinas , com criações cada vez mais minimalistas

Aos poucos ele se tornará mais próximo da colagem, misturando às telas pedaços de madeira, ferro, plumas, correntes, rótulos, cartões postais, areia. No último retrato da bailarina os materiais são alfinete, pluma sobre um quadro de madeira pintado de branco " que a gente não poderia sonhar mais nu" , diria o poeta Paul Éluard.

Nesse universo, a aparente falta de ordenação nas telas é, na verdade, uma nova maneira de pôr em destaque o que tem mais relevância, deslocar e desconstruir sistemas pré-ordenados e recolocá-los numa nova ordem . Assim como as pinturas rupestres podiam ser feitas com os dedos, ou com utensílios como carvão, ou cera de abelha em suportes disponíveis no local, como as paredes de uma caverna, Miró cria suas obras utilizando sucatas , pintando com os dedos, buscando objetos que já perderam sua função utilitária. O que guia o artista é a tentativa de captar o momento da criação.

1- Moça evadindo-se, 1968 2- Femme, 1966 3- Os pássaros se escondem sob os dedos em flor, 1969 4- Mulher e pássaro, 1962 . Todas as esculturas estão na Fundação Miró Maiorca


Em suas obras, tudo é intenção estética, mas diferentemente dos primeiros homens, Miró escreve e nomeia suas criações, esses títulos nos dão as pistas daquilo que quis ser comunicado. Vou precisar chamar novamente um outro poeta pra nos dizer o indizível , Octavio Paz, no texto Fábula de Joan Miró:

Las miradas son semillas, mirar es sembrar, Miró trabaja como un jardinero y con sus siete manos traza incansable —círculo y rabo, ¡oh! y ¡ah!— la gran exclamación con que todos los días comienza el mundo. (Octávio Paz, "De “ Árbol adentro”. Seix Barral, Barcelona, 1987) *Os olhos são sementes, olhar é semear, Miró trabalha como um jardineiro/e com suas sete mãos traça incansável - círculo e rabo, oh! e ah!- a grande exclamação com que todos os dias começa o mundo.

 PALMA DE MAIORCA


Miró estudou Belas Artes em Barcelona, mas foi em Paris que encontrou a turma surrealista que mudou seu ponto de vista sobre a arte. Durante a Guerra Civil Espanhola militou contra o ditador Francisco Franco, criando uma obra chamada de El segador, que expôs junto com Picasso e sua Guernica, no Pavilhão da República Espanhola na Exposição Internacional de 1937. Esse grande mural não existe mais, queimou num incêndio, dele restam poucas fotografias em preto e branco. Também é dele esse cartaz criado para a campanha contra o fascismo na Espanha, durante a Guerra Civil.

Por isso, esteve impedido de entrar na Espanha, embora tenha conseguido exilar-se com sua família em Palma de Maiorca (sua mãe e avós maternos eram da ilha) em 1942, durante a invasão da França pela Alemanha, mas só se muda em definitivo para a ilha em 1956, quando iniciou os trabalhos para criar a Fundação junto com sua mulher, Pilar Juncosa.

A Fundação é um conjunto arquitetônico modernista com três edifícios, na ordem das fotos, 1- o taller Sert_ a oficina onde Miró trabalhava, 2- o espaço de exposição, conhecido como edifício Moneo e 3- a antiga casa senhorial do século XVIII que Miró adquire mais tarde e onde realiza seus trabalhos de escultura, de gravação e litografia. Há um outro museu dedicado ao artista em Barcelona.

Agora, algumas fotos do interior da Fundação, do atelier do artista e algumas esculturas que ficam expostas nos jardins.

O espaço da Fundação é lindíssimo, com vistas para o mar de Palma de Maiorca.

E pra fechar esse post, deixo aqui o quadro com o qual mais me identifiquei ( rs), se chama Mulher com cabelos desarrumados por um pássaro ao nascer do sol.


Pintor, poeta, ceramista, escultor e gravador, Joan Miró é daquele tipo de artista que escapa a qualquer tipo de convenção, pois dedicou sua vida a reivindicar uma liberdade absoluta, a gente só precisa fazer um exercício de sensibilidade pra se deixar levar por sua liberdade, pela beleza de suas obras e pela grande exclamação com que todos os dias começamos o mundo.







Links interessantes:


1- Vídeo feito pela Fundação Tomie Ohtake para a exposição no Brasil, em 2015 :

2- Endereço eletrônico da Fundação Miró em Maiorca: https://miromallorca.com/en/foundation/colleccio/

3- Infográfico sensacional feito pelo estadão por ocasião da exposição em São Paulo. Vá até a linha do tempo no fim da reportagem e veja o vídeo de Duke Ellington tocando um blues para Miró, em 1966, com o artista ouvindo! Lindo! https://infograficos.estadao.com.br/public/especiais/miro/tablet/

4- íntegra do texto de Octávio Paz, Fábula de Joan Miró : http://adamar.org/ivepoca/node/427



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