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  • Foto do escritorMônica Cyríaco

De Havana a Trinidad- Cuba é verde, sustentável e muito divertida.

Atualizado: 22 de dez. de 2022

Com los pobres de la tierra / quiero yo mi suerte echar/ El arroyo de la sierra/ me complace más que el mar José Martí


Esse foi mais ou menos o caminho que percorri depois que saí de Havana.

Saímos de Havana para Varadero. Como não tínhamos informações sobre as condições das estradas em Cuba nem a certeza de poder contar com o GPS em todo o percurso, optamos por comprar passagens de ônibus, na empresa Viazul.

A loja da empresa fica a uns 7 km de Havana Velha, fizemos três viagens de táxi nesse percurso, ida e volta para a compra e uma ida, para o embarque, um custo bem significativo, 30 euros de táxi no total. Compramos as passagens no dia anterior ao embarque, porque fomos alertados de que as passagens poderiam se esgotar e já estávamos com o hotel marcado. Compramos em dinheiro, pois os cartões de crédito de bandeira americana não são aceitos em Cuba. Pelo menos os ônibus chineses eram novos e confortáveis. De Havana a Varadero foram 3 horas e três paradas. Nesse tempo de viagem , pela primeira vez ouvimos do motorista uma reclamação de Cuba. Numa conversa, numa das paradas, ele nos disse que Cuba é muito boa para os turistas, que estava muito insatisfeito, pois trabalhava com turismo e nunca lhe sobrava dinheiro pra viajar, disse-nos que poderia ir, se quisesse, mas o dinheiro não dava pra nada. Disse-nos , também , que não aguentava mais comer frango e porco sempre, que era a carne mais acessível a ele. Fiquei pensando nos motoristas de ônibus intermunicipais brasileiros, com salário médio de R$ 3.000 , tirando passaportes, viajando pra Miami ou pra Espanha... não ter dinheiro pra viajar ou para comer carne com frequência seria uma condição cubana? acho que não, mas não quis dizer isso pra ele.

Ficamos num hotel à beira-mar, super turístico, confortável, com tudo incluído mas, preciso confessar... Varadero não é Cuba. Foi o que nos disse nosso amigo cubano William, que conhecemos naqueles dias em Havana, e ele estava certo. Eu confesso que estava mal acostumada com aquele rebuliço de Havana, com a possibilidade de conversar com cubanos o tempo todo, com os inúmeros ritmos musicais com os quais topava nas ruas e no hotel e de repente me vi cercada de canadenses, estadunidenses de Miami... na hora pensei que fosse implicância, mas a sensação voltou forte mais tarde, depois do jantar, em que fomos convidados ao anfiteatro do hotel para assistirmos a um quiz de " qual é a música". Jura??? Tanta coisa pra me apresentarem e vão me colocar pra descobrir quem canta o quê? Sonhava com salsa, rumba, chá-chá-chá e me vinham com Celine Dion? Mas o mar, a praia, a possibilidade de ver estrelas numa praia deserta à noite até que valeram. Na praia conheci o único casal de brasileiros de todo aquele resort, cariocas, petroleiro e jornalista, com eles trocamos algumas impressões sobre o Cuba e o Brasil, sobre o golpe e sobre as futuras eleições.

De Varadero fomos pra Trinidad de Cuba, aí, sim, atravessamos a ilha , passando por cidades importantes do interior e por horas e horas de estrada que cortavam áreas verdes, rios, praias quase virgens

pólos de agricultura orgânica, muitas estufas de hidroponia, moradores a cavalo, caminhões que lembravam nossos paus-de-arara, linhas de transmissão de energia, usinas de açúcar e até exploração de petróleo!

Em Cienfuegos, cidade de grande influência da cultura francesa ( foi pra lá que os franceses foram depois de fugirem da revolução do Haiti), foi possível observar do ônibus os moradores e turistas sentados em torno da praça para conseguir conexão de internet. Em primeiro plano, a estátua de Benny Moré, famoso músico cubano.

A quantidade de áreas verdes, de rios e de reservas ambientais me surpreenderam positivamente. Depois de quase 7 horas de viagem, chegamos a Trinidad, patrimônio mundial desde 1988.

Que cidade interessante! Me senti num filme do Zorro (e com essa observação acabo de entregar a minha idade rs )


A cidade , com casario colonial do séc XVI preservado , lembra um pouco a história de Paraty, no Rio de Janeiro, pois também foi lugar de extração de ouro e, mais tarde, de engenhos de cana, chegando a ser líder mundial na produção de açúcar. Contou com escravizados em grandes latifúndios e depois entrou num período de decadência econômica, acompanhada de um isolamento geográfico que a deixou absolutamente alheia às mudanças ocorridas em Havana e Santiago de Cuba, por exemplo. Só a partir do início de século XX, Trinidad passa a se conectar com outras partes da ilha, inicialmente por caminhos de ferro e posteriormente por estradas e aí, então, é redescoberta pelos próprios cubanos como um lugar de interesse turístico. Com a Revolução, após um período de resistência, passa a fazer parte dos atos revolucionários que se espalharam pelo país. Hoje o Valle de los Ingenios é uma atração turística do lugar, onde se pode conhecer os engenhos e casarões da época.

Chegamos à Rodoviária de Trinidad bem moídos e só havia bicitáxis disponíveis. Chovia. O rapazinho que nos levou ao hotel percebeu que éramos brasileiros e nos mostrou sua camisa 10 do Paris Saint Germain, ele curtia Neymar.

Nosso hotel ficava diante de uma das pracinhas mais movimentadas da cidade, pois era ponto de WiFi. Durante o dia , era possível ver as salas de aula na escola que ficava no fundo da praça e, à noite , ver grupos de adolescentes e jovens ouvindo música, dançando street dance, mas o interessante que dez horas tudo acabava e eles se dirigiam às suas casas, sem que ninguém precisasse mandar.

Por suas ruas de pedra não passam carros. Como em toda cidade ibérica, as igrejas estão nos centros das praças e, como em toda cidade colonial, a presença da cultura dos afrodescendentes se faz presente, no templo de santeria ,dedicado a Yemaya e também nas festas como as fiestas sanjuaneras , conhecidas como o "carnaval de Trinidad", que ocorrem entre São João e São Pedro e trazem pessoas fantasiadas, procissão de cavalos, música caribenha e comidas típicas.

O museu da cidade é o Museu Nacional de la Lucha Contra Los Bandidos, que conta toda a história da luta revolucionária e das resistências na serra de Escambray ocorridas de 1959 a 1965

e depois a gente pode subir no campanário, de onde se tem as melhores vistas de Trinidad.


A cidade é linda e muito fotografável, então fica difícil selecionar a melhor imagem, mas aqui vou colocar alguns detalhes que podem ter escapado aos olhos apressados.

Curtir a praia de Ancón, que fica a 20 min do centro de Trinidad, também é programa obrigatório. Uma delícia, vazia na baixa temporada e com uma surpresa no detalhe também.

Ampliando a foto da praia, a gente pode ver um ônibus( ! ). Pra sair da praia só havia um carro muuuuito antigo que apareceu por ali. Resolvemos encarar, no retrovisor dá pra ver a gente dentro do carro mais esfumaçado em que já andei na vida! ( e foram muitos nessa vida, podem acreditar!)

Mas o melhor programa da cidade é sentar nas escadarias do pátio da música, ouvir salsa, quem sabe até bailar ,

tomando mojitos e jogando conversa fora, porque uma coisa é certa, quem está fazendo turismo em Cuba geralmente são pessoas abertas ao mundo, que querem conhecer o lugar, conhecer um pouco mais da história contemporânea e conhecer pessoas.

No balcão desse bar conheci um casal de mexicanos com quem troquei indicações de livros. Ela me confessou ser apaixonada por nossa Clarice Lispector e me sugeriu esse livro ao lado. Ao chegar ao Brasil, foi o primeiro livro que li e o adorei!

Conhecemos um outro casal do México em Havana, Javier e Miriam. Javier me disse que está aprendendo Português ouvindo Caetano Veloso e cantarolou um trecho de Sozinho. Demais!

Voltando pra havana, nas 3 horas e meia de carro ( preferimos ao ônibus, na volta) muita coisa ficou clara pra mim: Cuba é verde e renovável. Pela necessidade? Sim, mas isso não é demérito, pelo contrário! Há parques eólicos, investimentos em energia solar e de biomassa do bagaço de cana, há agricultura sustentável e biológica, pelos últimos dados da PNUD de 2017, 91% da população tem acesso à água tratada e 98% tem rede de esgotos, a mortalidade infantil é de 6,04 mortes por 1000 nascidos, 70% do território é de reserva ecológica e no índice de desenvolvimento humano de 2019, ocupa a posição 72, o Brasil, por exemplo, ocupa a posição 79. Veja em: http://hdr.undp.org/sites/default/files/hdr_2019_overview_-_pt.pdf E isso em meio a um criminoso embargo que já dura 60 anos! E ainda pude encontrar com esse vira-lata caramelo em Havana e me sentir absolutamente impressionada com o tratamento dado aos poucos animais de rua que vi na cidade. E lembrei de Leonardo Padura, que nomeou seu romance de O homem que amava os cachorros a partir de sua observação sobre o fato de não haver cachorros de raça na Havana dos anos 90. Destaquei a coleirinha de Canelita, pois acredito que a delicadeza está nos detalhes

Outro mito caído pra mim foi em relação à religião. O Estado é laico, mas os cubanos são muito religiosos, a igreja católica e a santería ( muito próxima à umbanda ) são as religiões majoritárias, mas há sinagogas e igrejas evangélicas em Cuba desde os anos 90. Abaixo, uma sinagoga em Havana e o templo de Yemaya, em Trinidad.

Depois de três noites em Trinidad, voltamos pra Havana , onde curtimos um último dia , antes de vir pro Brasil. Nesse dia, aproveitamos pra curtir feiras de artesanatos, a Bodeguita del Medio e também pra preparar a despedida da ilha.

Conheci um pouco de Cuba e ainda ficou muito por conhecer. Fui como turista, não usei nenhum serviço médico nem entrei em nenhuma escola, portanto não tenho condições ( nem intenção) de atestar a qualidade desses serviços. Tudo o que sei me foi dito pelas pessoas com quem conversei. Algumas observações pude fazer, como os postos de farmácias nos bairros ( não vi nenhuma farmácia dessas que aqui se multiplicam em todas as esquinas) e também no vai-vem de crianças e jovens indo e voltando pra escola ou brincando em praças, nenhum deles vendendo balas ou pedindo dinheiro. Fui acompanhada, não posso falar de mulheres viajando sozinhas, mas não acredito que seja muito diferente de mulheres viajando sozinhas em cidades da América do Sul, pode ser até que seja mais segura, já que o cuidado com os turistas em Cuba é muito grande.

Em todo lugar há problemas sérios a serem resolvidos. Tratar as coisas com chavões e preconceitos é um ótimo meio de piorá-las. No entanto, aquela alegria dos cubanos, a percepção da qualidade da educação das pessoas em inúmeros aspectos, tanto no formal_ o escolar, quanto nos aspectos culturais (musical, artístico, e até mesmo no trato com os animais) voltaram comigo na mala. Sei lá, há dias em que eu até que tenho achado uma boa a máxima " não tá satisfeito , vai pra Cuba!" . Quando isso acontece, escuto El quarto de Tula

e saio dançando pela casa!


Sugestões de livros e filmes:

1- O filme 7 dias em Havana tem um episódio que fala de uma festa religiosa em homenagem à N Sª/ Oxum e um outro que mostra um ritual de santería. Muito lindos os dois, recomendo. Parte 1 : https://www.youtube.com/watch?v=8OPhEaXW6xA

Parte 2, onde estão os dois episódios de santería, 6ª e Domingo: https://www.youtube.com/watch?v=5puCrdZPZEY

2- O livro citado, Trilogia Suja de Havana, está editado no Brasil. O escritor, Pedro Juan Gutierrez, vive em Cuba até hoje e seu livro, de 1998, foi lançado lá em 2018. Aqui , o link do lançamento em Cuba :

3- Cuba e o cameraman, de John Alpert. 2017, Netflix. O documentarista acompanha Cuba por 40 anos e filma as mesmas personagens no tempo e, por meio delas, as transformações do país depois de Fidel. Trailer : https://www.netflix.com/br/title/80126449

Aqui nesse link uma crítica ao documentário e o depoimento de uma documentarista brasileira que trabalhou com o diretor John Alpert



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