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  • Foto do escritorMônica Cyríaco

Real Alcázar : uma joia incrustada em Sevilha

Atualizado: 22 de dez. de 2022


A história é uma multiplicidade de tempos que se emaranham e se envolvem uns nos outros. Foucault, 2005


2º dia : REAL ALCÁZAR DE SEVILHA, CATEDRAL ,GIRALDA E ARQUIVO DAS ÍNDIAS


É possível fazer essas duas visitas no mesmo dia. A Catedral de Sevilha pode ser visitada em no máximo duas horas, já o Real Alcázar , de duas a quatro horas. Também é possível fugir das filas enormes contratando o pessoal do city tour numa visita paga, em torno de 12 euros. Optamos por fazer a Catedral pela manhã e o Alcázar no fim da tarde, porque queríamos pegar o anoitecer nos jardins.

O Alcázar de Sevilha, por onde já passaram mais de mil anos de história, foi o centro da vida oficial e literária da cidade medieval e ainda é um dos monumentos mais visitados da Espanha. Declarado Patrimônio da Humanidade pela Unesco, em 1987, era inicialmente um alojamento dos chefes árabes omíadas, no séc. VIII, em 913 já era um palácio islâmico e ainda hoje funciona como residência da família real em visita à região.

O complexo arquitetônico fortificado, que abriga edifícios construídos em diferentes épocas, possui prédios em estilos árabe, mudéjar, gótico, renascentista, maneirista e barroco, portanto, será impossível tentar a partir de fotos e depoimentos abarcar toda a grandeza desse lugar. Vou tentar apenas passar por cada época deixando minhas modestas impressões de cada tempo/espaço.

Pátio de gesso: edifício islâmico original ( clique para ver as imagens)


Desse período poucos edifícios foram mantidos depois da conquista cristã. O Alcázar (morada) foi construído sobre um sítio romano e durante 3 séculos teve suas muralhas estendidas até a Torre de Ouro, no rio Guadalquivir. Inicialmente reformado como palácio para atender ao califado de Córdoba, teve seu esplendor com o reinado de Al-Mutamid, o rei poeta, que elevou sua corte à uma joia incrustada em Sevilha, digna dos cenários dos contos das mil e uma noites, com seus jardins perfumados.

Era conhecido como um rei de mão forte, mas também como o mais liberal, hospitaleiro e poderoso dos príncipes em Espanha; poetas, artistas, matemáticos e filósofos habitaram sua corte . Foi o último rei andaluz nativo _ nasceu em Beja , cresceu em Silves e reinou na Taifa de Sevilha. Como poeta foi um epicurista, falou de amor, de sensualidade, de amizade, de natureza e do prazer. São dele os versos :

solta a alegria! que fique desatada! esquece a ânsia que rói o coração. tanta doença foi assim curada! a vida é uma presa, vai-te a ela! pois é bem curta a sua duração. e mesmo que a tua vida acaso fosse de mil anos plenos já composta mal se poderia dizer que fora longa. seres triste sempre não seja a tua aposta pois o alaúde e fresco vinho te aguardam na beira do caminho. os cuidados não serão de ti os donos se a taça for espada brilhante em tua mão da sabedoria só colherás a turbação cravada no mais fundo do teu ser: é que, de entre todos, o mais sábio é aquele que não cuida de saber Al-Mutamid

Há relatos de que por ocasião de uma disputa sobre impostos que o rei Afonso VI cobrava da Taifa - pequeno reino muçulmano dentro da Península- Mutamid sugeriu que a contenda fosse decidida numa partida de xadrez entre seu melhor amigo Ibn Ammar e D. Afonso, que perdeu a partida. Essas curiosidades são muito importantes pra gente perceber que houve um tempo (curto) em que nem tudo era resolvido na ponta da lança. Mais tarde, Al- Mutamid, pressionado militarmente pelo rei Afonso VI, que já conquistara Toledo, pede ajuda aos almorávidas, muçulmanos do Norte da África e acaba perdendo sua taifa para quem deveria ajudá-lo. ( Não é de hoje que se tem que saber direitinho pra quem pedimos ajuda). A nova dinastia, mais dogmática, mais apegada aos princípios islâmicos, faz outras modificações no espaço e na cultura. Foi exilado no Marrocos , em Aghmat, onde está enterrado.

Sobre Al-Mutamid, os governos espanhol e português criaram um caminho turístico e cultural que deve ser bem interessante...quem sabe um dia?

Se os prédios construídos nessa época quase desapareceram, na cultura sevilhana ainda permanecem suas marcas arquitetônicas, suas lendas, os poemas e os ritmos daquele período, além dos belos jardins que envolvem o Alcázar, com árvores geometricamente plantadas, fontes de água fresca, ervas e flores aromáticas quase que reproduzindo os jardins do paraíso.

Palácio gótico : o palácio de Afonso X, o sábio


Esse palácio, de 1224, sofreu inúmeras transformações , principalmente depois do terremoto de Lisboa de 1755.

Afonso X, ainda jovem , participou da conquista de Sevilha ao lado de seu pai, Fernando III e elegeu a cidade para ali viver quase toda sua vida e descansar seu corpo na Catedral da cidade, após sua morte . De sua infância, passada na Galícia, trouxe para a Espanha o galaico-português, que utilizou nas cantigas que animariam sua corte.


No Alcázar, Afonso constrói um núcleo retangular integrado por três salões com abóbadas em cruzaria no estilo gótico. Os espaços mais importantes são a Sala de Festas, reformada para as bodas de Carlos V, no século XVI, em estilo renascentista.


A Capela Real, na foto ao lado, é toda em estilo Barroco, com seus tetos abobadados e o oratório usado pelos reis católicos.


E a Sala dos Tapetes apresenta uma série de 12 tapetes que foram tecidos em Flandres para comemorar a vitória de Carlos V e é hoje uma das maiores do mundo, com cenas de sua conquista na Tunísia, em 1535.


Nesse palácio, que mais tarde foi modificado por outros monarcas, reuniram-se os trovadores e intelectuais da famosa corte afonsina e dele, hoje, quase só encontramos as divisões dos aposentos e os elementos estruturais.


Palácio Mudéjar: o palácio de D. Pedro


mudéjar ou mourisco-estilo artístico. Inicia-se na segunda metade do século XII, e é fruto da incorporação e permanência de comunidades mulçumanas nos territórios reconquistados pelos cristãos; são comunidades que vivem pacificamente submetidas, praticando suas artes e ofícios e facilitando, com baixo preço de sua mão de obra, a difusão de suas técnicas artísticas. Até o ponto que chegam a criar um estilo verdadeiramente nacional, aceito em todos os níveis da sociedade cristã. historiadasartes.com


O Palácio Mudéjar é a joia do Alcázar, construído em 1356. Esse palácio traz em suas paredes a história da Península Ibérica durante a baixa Idade Média e foge completamente à lógica das Cruzadas, sendo exemplo de convivência e intercâmbio entre muçulmanos e cristãos nessa época. Com esse palácio, Pedro I busca legitimar seu poder régio e escolhe o estilo mudéjar, definido como uma simbiose de culturas peninsulares, feito por artistas granadinos, toledanos e sevilhanos, que utilizavam como material principal o tijolo, o gesso e a cerâmica

( barro) vidrada. Nos slides abaixo há alguns exemplos dessas técnicas.


Esses artesãos reinterpretam os estilos românico, gótico e renascentista pela perspectiva muçulmana e conseguem baixar os custos da construção usando materiais autóctones e técnicas próprias , como a dos azulejos geométricos, produzindo uma arte decorativa única e exclusiva da Península.

É um palácio lindo!


Agora vamos olhar novamente o portal do palácio. Nesse detalhe, podemos ver toda a beleza do trabalho em madeira.

Na parte azul e branca, está escrito " NÃO HÁ MAIOR VENCEDOR QUE DEUS" . A inscrição que emoldura a parte azul em caracteres góticos diz "O MUI NOBRE , PODEROSO, CONQUISTADOR D. PEDRO PELA GRAÇA DE DEUS, REI DE CASTELA E LEÃO, MANDA FAZER ESTES ALCÁZARES, ESTES PALÁCIOS E ESTAS PORTADAS EM 1402." Incrível, né?


Pedro I de Castela era um admirador da cultura islâmica, esteve sempre cercado de conselheiros judeus e árabes e foi um monarca que deu proteção a esses grupos minoritários, o que, de certo modo, lhe custou sua coroa. Os principais atrativos nesse palácio são :

1- Pátio das donzelas, pátio principal e obra prima da arte mudéjar. Passe os slides.

2- Pátio das bonecas, aqui acontecia a vida privada do palácio, em seus arcos há pequenos rostos entalhados que parecem bonecas; na parte superior ficam os quartos, construídos na época dos reis católicos e, hoje, aposentos reais proibidos à visitação.


3- Salão dos embaixadores, um dos aposentos mais lindos do palácio, nele foram filmadas cenas de Game of Thrones. Esse salão recebia as audiências públicas, as principais cerimônias da corte e servia para deixar bem claro o poder do rei. Os slides abaixo não dão conta de tanta beleza.


Em seu curto reinado, Pedro de Castela esteve envolvido em guerras intestinas _ disputou o reino com seu irmão bastardo e por ele foi assassinado. Mas sua biografia fica marcada pelo romance com Maria de Padilha, sua amante, com quem se casou em segredo enquanto já era casado com Blanca de Bourbon, cunhada de Carlos V de França.

Conta a lenda que Pedro abandonou sua esposa francesa três dias depois de casado e voltou para sua amante, uma mulher bastante sedutora, bela e "destruidora de lares", com arquétipo muito próximo ao de Carmen, a cigarreira. O mito de Maria de Padilla atravessou o oceano e permanece aqui entre nós na famosa pomba-gira cigana das religiões afro-brasileiras e talvez seja essa a origem da expressão "trago o homem amado em três dias" , tão conhecida pelos brasileiros. Poderosa, ela!

Aqui, o banho de Maria de Padilla, localizado num acesso subterrâneo do Jardim da Dança onde, dizem, ela se banhava em noites de muito calor, um lugar muito visitado do Alcázar e que também serviu de cenário à série.

O Alcázar de Sevilha tem muita história, selecionei as que mais me interessaram. Ali se realizaram as bodas de Isabel de Portugal e Carlos V_ neto de Isabel e Fernando, por parte de mãe e de Maximiliano I por parte de pai _ era o imperador do Sacro Império Romano-Germânico (ufa! ) em 1526. Para as bodas, Carlos V fez uma grande reforma no palácio. Os lindos azulejos coloridos, por exemplo, foram feitos para o casamento. O salão dos tapetes também.

LINKS E BIBLIOGRAFIA

2- Links sobre o poeta Al-Mutamid

3- Link sobre séries históricas :












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